domingo, 6 de junho de 2010

De Lestat a Jesus: a conversão de Anne Rice

Bodas de Caná - Julius Schnorr von Carolsfeld
Acabo de ler "Estrada para Caná", de Anne Rice. É o segundo livro de uma série focada na vida de Jesus Cristo. Não li o primeiro (Cristo Senhor), que aborda a infância de Jesus no Egito. Este segundo narra o começo da vida pública de Cristo, falando de sua vida em família, seus últimos anos em Nazaré, seu batismo, seu retiro no deserto e finalmente o famoso episódio das bodas de Caná.

Tom Cruise como Lestat
O que primeiro chama a atenção, no entanto, não é o livro em si, mas a autora. O nome de Anne Rice está inevitavelmente associado a histórias de terror com bruxas, vampiros e demônios. O mais famoso deles, Entrevista com o Vampiro, virou filme com um elenco estelar: Tom Cruise, Brad Pitt, Christian Slater, Antonio Banderas e Kirsten Dunst. Nesse livro, Rice contava as aventuras e desventuras de um trio de vampiros liderado pelo amoral Lestat e composto ainda pelo atormentado Louis e pela desesperada Claudia. A partir dessa obra, publicada em 1976, ela vendeu milhões de livros e angariou uma legião de fãs. 

Pois bem, em 1998 Anne Rice se converteu, retornando ao Catolicismo da infância. E decidiu que daí em diante só escreveria sobre Jesus. Grande parte dos fãs - alguns deles, jovens desajustados, meio perdidos espiritualmente, que se identificavam com os personagens sombrios da autora - debandou. Ela perseverou em sua decisão e desde então tem cumprindo a promessa. Recentemente publicou um livro narrando seu processo de conversão (Called out of Darkness: a spiritual confession).

Anne Rice cresceu em Nova Orleans - onde começa a história de Entrevista com o Vampiro - numa família católica. Mas abandonou a fé aos 18 anos, ao entrar na faculdade e se deixar seduzir pelas ideias vazias do existencialismo. Mais tarde, ela se casou com um pintor  que era, segundo ela, "apaixonadamente ateu". Décadas depois, a influência de amigos católicos e a curiosidade sobre Jesus a conduziram de volta a fé e ela chegou a se casar com o marido em uma cerimônia católica (parece que ele continuou ateu; hoje ela é viúva).

O Jesus de Estrada para Caná é muito humano - mas sua divindade é sempre proclamada e, aos poucos, manifestada. Ao começar a ler o livro, temi que ela tivesse tomado um caminho longe da ortodoxia: narrada em primeira pessoa pelo próprio Jesus (o que é ousado e muito arriscado), a história começa com Jesus acordando em casa de manhã, em meio aos seus irmãos. Irmãos? Sim. Mas logo se compreende: ele chama de irmãos toda a sua grande família de tios e primos. Mas há um irmão propriamente dito: Tiago. Ele, no entanto, é filho apenas de José, que seria um viúvo quando se casou com Maria. Anne Rice chega a se explicar, em uma nota, pela escolha. Ela diz que decidiu seguir antigas tradições do cristianismo grego ao colocar Tiago como irmão mais velho de Jesus, filho de José - e diz que, como católica, acredita na virgindade perpétua de Maria.

Anne Rice permite-se também outra ousadia: o Jesus de seu livro ama uma mulher (não é Maria Madalena). É um amor humano, o amor de um homem por uma mulher, mas é um amor casto, que ele transforma em amor fraternal, tendo consciência de sua missão. Na história, ele sofre por abrir mão desse amor, mas não se arrepende. 

Pelo que li, apesar da sua conversão, Anne Rice discorda das posições da Igreja com relação ao homossexualismo - ela tem um filho homossexual. Acho isso perdoável. Pensemos na dor de uma mãe - especialmente uma que viveu a maior parte de sua vida como ateia cercada de liberais e que possivelmente pode até ter encorajado o rapaz em suas decisões - pelo fato de ver seu filho com um comportamento que sua fé condena. Ela diz que deixa essa questão nas mãos de Deus. 

A conversão de Anne Rice mostra-nos que Deus nunca desiste de nós. E nos traz esperança de que outros de nossos irmãos afastados, obscurecidos pelas más ideias, pelas filosofias vãs, desviados pelas más companhias, possam vir ou retornar para o aprisco. Quem sabe não veremos um Dan Brown ou um Phillip Pullmann abraçarem a fé e se tornarem defensores da Verdade com o mesmo entusiasmo com que hoje são defensores da mentira? Para Deus, tudo é possível.

Um comentário:

Anônimo disse...

Admiro muito a Anne Rice, ela é simplesmente perfeita em suas palavras.
Não tenho nada contra a conversão dela, embora seja uma lástimas ela ter abandonado os vampiros.

"O que pode temer o filho nos braços do Pai?"

São Pio de Pietrelcina