Seguir uma religião - qualquer uma - é uma decisão que requer compromisso, requer uma adesão de fé e uma adesão intelectual. Requer também sacrifício. Talvez seja por isso que cresce sempre o número de pessoas que preferem dizer que não seguem nenhuma religião, ou, para ficar em nosso terreno, talvez seja por isso que haja tantos "católicos" não-praticantes.
É muito estranho pensar que haja católicos que não vão à missa, a mais importante celebração de nossa religião. E católicos que consideram compatível defender o aborto! E católicos que acreditam em horóscopo e simpatias. Ou ainda: católicos que não vêm nada de mais em acreditar simultaneamente na ressurreição e em reencarnação.
As pessoas que fazem isso vivem a religiosidade como se estivessem num restaurante self-service: coletam de cada religião um ou outro aspecto que lhe parece simpático e montam com isso um estranho cardápio, não raro composto de coisas incompatíveis. É como se comecem pudim de leite com calda de feijão.
Uma parte disso é a nossa fé mal-formada: catequeses incompletas; persistência de superstições tidas como "sabedoria popular"; vivência religiosa apenas devocional, desprovida de reflexão racional. Mas uma boa parte disso é conseqüência de nossa preguiça e de nossa fraqueza.
A fé vivida de forma verdadeira requer algumas renúncias. E esse é justamente o problema: vivemos o tempo da "liberdade" sem regras, da busca incessante pelo prazer e pelo conforto. A idéia de renunciar a alguma coisa, qualquer que seja ela, é das mais chocantes. Renunciar ao jogo de futebol em troca de uma missa? Renunciar ao sexo livre em troca da castidade? Renunciar a uma brilhante carreira em troca dos filhos? Renunciar a uma TV de plasma em troca da caridade? Renunciar aos caprichos de cada momento em troca da dedicação a Deus por meio do sacerdócio? Tudo isso é loucura, é estupidez, é insuportável...
Essa estranha religiosidade que se difunde em nossa época - essa religiosidade que transforma Deus numa "força", numa "energia cósmica", que confere aos objetos um misterioso poder sobre nossa vida, que vê essa mera criatura que é o ser humano como uma espécie de deus de si mesmo - essa religiosade é sintoma dessa incapacidade atual de fazer renúncias e de assumir compromissos. Uma força cósmica não exige compromissos. Se "deus" está dentro de mim e não tem personalidade, eu posso fazer o que quiser. Se o que sou e o que faço é decidido pelos astros, não posso ser responsabilizado pelos meus atos.
Geralmente as pessoas que praticam essa religião self-service acreditam estar exercendo sua liberdade ao não aderir a uma religião e ao construir sua própria doutrina particular. Na verdade, estão apenas sendo superficiais e egoístas. Superficiais porque não percebem a incompatibilidade entre muitas das crenças adotadas. Por exemplo: a doutrina da ressurreição e a doutrina da reencarnação são mutuamente excludentes, pois ninguém pode ressuscitar e reencarnar ao mesmo tempo. Mas muitas pessoas preferem ignorar isso... E são egoístas porque querem entrar no Paraíso, mas não querem renunciar a nada para entrar nele; querem tudo: tanto o bem quanto o mal. Querem o Céu, mas não querem renunciar ao inferno. Há uma curiosa música da banda irlandesa U2 (The Wanderer) que diz: "Eu parei diante de uma igreja/onde os cidadãos gostam de se sentar/ eles dizem que querem o Reino / mas eles não querem Deus nele".
Já a adesão verdadeira a uma fé não é compatível com esse mosaico de crenças e práticas. Quando decido ser um católico genuíno, devo renunciar, por exemplo, à crença em reencarnação e desistir de ter sido um poderoso rei "em outra vida"; devo renunciar a práticas que não são compatíveis com a vivência da fé. Devo comprometer-me com essa fé, enfim, comprometer-me com Deus. Aceitar que há coisas que podem e coisas que não podem ser feitas, e que isso em nada agride minha liberdade, pois aderir de verdade à fé é uma decisão absolutamente livre, mas que requer responsabilidade.
É interessante perceber que essa incapacidade de renúncia e de sacrifício não é uma característica geral da humanidade em todas as épocas e lugares. Em outros tempos, povos como os romanos e mesmo os bárbaros germânicos valorizavam muito a simplicidade, a disciplina, a resistência à dor, o desapego ao conforto. E mesmo nos tempos atuais, há muitos homens e mulheres que conseguem se libertar das correntes desse pensamento dominante e renunciam ao que não importa em troca do mais valioso dos tesouros: Deus. Para ficar em exemplos mais recentes, lembremo-nos de São Pio de Pietrelcina, do Papa João Paulo II, do Beato Pier Giorgio Frassati, de São Maximiliano Kolbe, de Madre Teresa de Calcutá, de Santa Giana Beretta e de tantos outros santos e santas de nosso tempo.
São esses os exemplos que devemos seguir: o de doação, o de compromisso, o de fidelidade. Cristo não é um conjunto de pratos fumegantes dos quais nos servimos ao nosso bel prazer. Cristo é sim nosso alimento - a bem da verdade, o único - mas precisamos ser fiéis a Ele e a seus ensinamentos. Não existe católico não-praticamente: ou sé é praticante ou não se é católico. Ou aderimos verdadeiramente a nossa religião ou estamos enganando a nós mesmos.
Mas, enfim, nada a que tenhamos que renunciar tem qualquer valor em comparação com Deus. Sejamos comprometidos com Deus e não com nossas mesquinharias e com nossos caprichos.
2 comentários:
Excelente post! completo!
Ei, como posso ajudar no blog?
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